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UM INÍCIO PARA FALAR DE “RIO, 40 GRAUS”

Rio 40 graus

UM INÍCIO PARA FALAR DE “RIO, 40 GRAUS”

Um início para falar de “Rio, 40 graus”

Qualquer tentativa de leitura do filme “Rio, 40 graus” de Nelson Pereira dos Santos será apenas uma tentativa, pois o filme precisa ser sentido por todos os seus aspectos. Este filme deve ser visto pela primeira vez quando o espectador estiver sozinho, livre de compromissos e aberto a olhar e a sentir.

É um filme que estimula o sentido de ser do país, da cidade grande, dos contrastes da vida brasileira que evoluíram trazendo na bagagem a história de suas desigualdades. É portanto um filme fundamental.

De cara, o Pão de Açúcar. Este sim é o Pão de Açúcar que não é composto pelos dois morros ligados pelo bondinho. Pão de Açúcar é o morro maior e sua denominação decorre da semelhança com a forma usual do açúcar refinado, produzido e vendido até o século XIX.

É interessante observar como o paulista, criado no Bixiga, já abre seu filme de forma tão brilhante. Aliás, essa sensibilidade é recorrente em sua obra. Nelson coloca os cenários brasileiros conhecendo-os profundamente. Atributo alcançado por poucos artistas, as imagens se movimentam em direção aos olhos do espectador mas atingem também outros sentidos. Sentimos os aromas e o vento, bebemos o mesmo café ou a mesma cachaça.

Junto à imagem do Pão de Açúcar, ouvimos a música “A voz do morro”, composição feita para o filme por Zé Ketti a qual se tornou um dos hinos do Rio de Janeiro.

“Eu sou o samba / A voz do morro sou eu mesmo sim senhor / Quero mostrar ao mundo que tenho valor / Eu sou o rei dos terreiros. Eu sou o samba / Sou natural daqui do Rio de Janeiro / Sou eu quem leva a alegria / Para milhões / De corações brasileiros.”

Vale a lembrança de que “Rio, 40 graus” foi realizado em 1955 e representa a possibilidade de filmar no Brasil de outra maneira que não fosse pelo formato industrial valorizado pela Vera Cruz anos antes. “Rio, 40 graus” estabelece um diálogo maior com filmes de Humberto Mauro.

Então, a grande cidade aparece. Não é o mar que está em maior evidência. É a cidade. São de pessoas essencialmente que o filme trata. Histórias diversas de amor e vida entrelaçadas em um amplo painel em que são abordadas desde a política à praia, aos meninos na rua, à favela, ao futebol, ao carnaval. O Maracanã, é claro. Absoluto.

Um mosaico prenúncio de uma estética socialista. A começar quando entramos mais precisamente no morro carioca. Os meninos bolando a descida para a cidade. A sequência em que o menor deles está atrás de sua lagartixa de estimação; a Catarina como ele a chama, é uma das coisas mais bonitas que o cinema brasileiro produziu. E, como no dia-a-dia, a truculência, ao encontrar a pureza, não a compreende e destrói toda a sua poesia.

Que o cinema consiga resistir a todos os sobressaltos a que vem sendo exposto.

Renata Saraceni
Produtora, Cineasta

Renata Saraceni

Imagem: Hélio Silva (Filme de Nelson Pereira dos Santos – Rio 40 Graus)

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