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SE A VIDA TIVESSE REWIND

Dulce Veiga

SE A VIDA TIVESSE REWIND

SE A VIDA TIVESSE REWIND

Seria bom se a vida tivesse botão de rewind e nesta próxima sexta eu pudesse voltar à 21ª Bienal de São Paulo e à expectativa de assistir ao espetáculo do grupo performático catalão Fura Del Baus, com direito a Antunes Filho na plateia em meio aos espectadores em ziguezague no círculo girante. E aí depois esticar no Spazio Pirandello da Augusta ou na cervejaria – que talvez ainda exista – da Praça da Árvore para tomar cerveja com malte de uísque e uma tal de Pêcheur, com promessa afrodisíaca.
Minhas primeiras recordações de SP remontam a 1985, quando fui com um amigo para a 18ª Bienal e me hospedei no Campo Belo. Em 86 fiz um bate-volta: cheguei ao meio-dia, matei o almoço e fui ao cinema assistir à “Marvada Carne” – com Marta Suplicy na plateia – e à noite, ao Sesc Pompéia para ver Cida Moreyra martelar ao piano a “Surabaya Johnny” do Kurt Weill e com ela cantar:
“Tira esse cachimbo da boca, seu porco!”
Por esta época, eu acumulava a frustração de não ter amigos paulistas, mas em 87 a vida deu um jeito de arrumar dois pra mim e, em decorrência deles, outros. Passei a ir então com frequência para a terra da garoa – ainda chamam assim? –, alternando-me entre a Lapa e Higienópolis, em duas realidades bastante distintas. O apartamento bucólico da rua Clélia – num desses sobrados avarandados com oficina mecânica embaixo – contrastando com o elegante salão-quatro quartos da Angélica, em frente à praça Buenos Aires, com direito ao tríptico “O Jardim das Delícias Terrenas” do Bosch no saguão de entrada.
E aí foram muitas mostras de cinema – Cakoff! –, shows no Ibirapuera domingo de manhã, festas, bares, peças, exposições, museus, filmes, amigos à mancheia, até que, um dia, decidi conhecer o carnaval. Qual não foi minha surpresa ao deparar com uma cidade completamente quieta. Nem um apito! Nem um agogô, bloco de rua, menina de Minnie ou menino de tutu! Só o cinza dos prédios e o asfalto nu. Fui por dois anos: no de 95 assisti “Através das Oliveiras”, no Belas Artes; no de 96, ao “Livro de Jó” no hospital Humberto Primo e a “Os Mistérios Gozosos”, no Oficina. Programas perfeitos para um carnaval heterodoxo de folião ranzinza.
Minha mãe, prestes a completar 92 outonos em abril, volta e meia defende a ideia de que a vida deveria ser de trás pra frente, porque se começássemos encarquilhados e, a cada dia, fôssemos remoçando até estalar de saúde em corpos novos em folha, daríamos real valor à juventude e à pletora de estar vivo. Digo a ela que essa hipótese já foi escrita e se chama “O Curioso Caso de Benjamim Button”, mas em seguida ela esquece.
Se a vida tivesse rewind, amanhã eu iria com a Miriam Batucada ao Palladium assistir ao “Meu Refrão Olê Olá” com Tony Ramos travestido de Geni e o Zepelim do Chico, e depois ainda passava no apê do Caio Fernando Abreu da Haddock Lobo para levar-lhe uma fita cassete gravada por mim com músicas brasileiras inspiradas por seu livro “Onde Andará Dulce Veiga?”

Texto: Rodrigo Murat é Escritor

rodrigo murat

Imagem: Fime de Guilherme de Almeida Prado, Fotógrafo Adrian Teijido

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