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O SOM DO SILÊNCIO

Tilda Swinton

O SOM DO SILÊNCIO

Oi, fui ver o filme. Entendi quase tudo, acho, mas se você me perguntar sobre o que é, arrisco dizer que é sobre a Tilda Swinton. A Tilda Swinton pensando; a Tilda Swinton andando pelas ruas de Bogotá; a Tilda Switon conversando em espanhol com pessoas que talvez não estejam mais vivas. O Apí realmente faz um cinema ímpar. Câmera parada. Plano aberto. Pausa. Silêncio. Lá pelas tantas, já no final da sessão – onze e meia da noite com cara de alta madrugada – ninguém dava um pio, nenhum celular bipava, tudo parecia dormir, inclusive o filme na tela.

Mandei essa mensagem para uma amiga depois de assistir a “MEMÓRIA” do tailandês Apichatpong Weerasethakul, com Tilda Swinton acumulando os papeis de atriz e produtora executiva. O filme ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2021, e confirma o talento do diretor para obras enigmáticas.

Me faz pensar, por vias tortas, no cinema de Andy Warhol que, certa vez, revelou fazer filmes sem trama para que o espectador fosse ao cinema e pudesse pensar na vida sem ser incomodado. Não que os filmes do Apichatpong não tenham trama, mas a maneira como ele as apresenta permite calma para toda sorte de digressão.

Há outras experiências nessa linha do que se poderia chamar – numa definição reducionista – de cinema estático. No último filme de Derek Jarman – “BLUE” – de 1993, a tela fica azul durante 1h20min com narrações em off. Segundo informações do site Filmow, trata-se de “um filme monocromático inspirado nas ideias do pintor Yves Klein e com reflexões sobre arte, poesia, memória, tempo, morte.” E quem é umas vozes do elenco? Tilda Swinton.

O malaio-taiwanês Tsai Ming-Liang é outro mestre no gênero. Em “A TARDE”, de 2015, em um único plano de duas horas, a câmera em tripé capta uma conversa do diretor com o ator Lee Kang-sheng, enquanto ao fundo, por uma janela aberta, o vento agita árvores no cenário edênico contra a tarde estática.

“LA TAREA”, do mexicano Jaime Humberto Hermosillo, de 1991, foi o indicado do México ao Oscar de 1992. O filme não chegou a estrear comercialmente no Brasil, mas tive a oportunidade de vê-lo em festival. Segue trecho da crítica de José Carlos Avellar publicada na revista “Dicine”:

“Resumir o que acontece no filme deixa quem não o conhece desconfiado. Um filme de um plano só e de apenas dois personagens, a câmera todo o tempo numa única posição, parece indicar um espetáculo mais próximo do teatro. Antes do plano que de fato faz o filme, uma mulher se ajeita para receber uma visita e esconde uma câmera de vídeo debaixo da mesa. A câmera é então ligada e a partir daí passamos a ver como se olhássemos pelo visor desta câmera de vídeo.”

Na sessão do festival, lá pelas tantas, um espectador desavisado resolveu gritar para o projecionista: “Ajeita o filme! Está fora de quadro!”. Davi Neves estava na sessão e rebateu: “É assim mesmo, cara-pálida!”

Quase ninguém atura ver a vida nua e crua na tela sem os truques do cinema.
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Davi Neves, ícone da boemia carioca, estava sempre pelos botecos da rua Prado Júnior, em Copacabana, com um copo de cerveja na mão, uma câmera no olho e uma ideia na cabeça. Nesse dia, resolveu entrar no cinema, que se chamava Cinema I, e ficava onde hoje está um hortifrúti. Diretor de vários filmes, usou a rua como locação das externas de seu “Fulaninha”, de 1986, que narra o romance de um cineasta cinquentão (Cláudio Marzo) com uma ninfeta (Mariana de Moraes).

Rodrigo Murat é escritor
Rodrigo Murat

Imagem: Tilda Swinton foto de Dominique Charriau.

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