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O LABIRINTO RUSSO

Labirinto russo

O LABIRINTO RUSSO

O LABIRINTO RUSSO – Rodrigo Murat

Ler muitos livros ao mesmo tempo é como entrar num labirinto e, quando eu dei por mim, eu estava perdido numa estepe russa.

O fio deste meu novelo de Ariadne começou a ser desenrolado com “Dostoievski Trip”, peça teatral sobre um grupo de viciados em literatura na fissura de uma nova droga. O Vendedor chega com “O Idiota”, de Dostoievski, e diz:
VENDEDOR – “Vocês vão ler e depois vão correr atrás de mim para uma segunda dose.”

Segue-se a rubrica:
“Todos tiram o dinheiro e entregam ao Vendedor. O Vendedor abre um frasco e coloca um comprimido na boca de cada um. (…) Todos os sete caem no espaço de O Idiota e se tornam personagens do romance.” (Tradução: Arlete Cavaliere)

O autor de tal extravagância lisérgica, Vladimir Sorókin, é a vanguarda em pessoa – se é que vanguarda é o termo certo para designar o espanto que sua literatura provoca. Nascido em 1955 em Býkogo, nos arredores de Moscou, Sorókin já trabalhou como cenógrafo, ilustrador e artista gráfico, o que talvez explique sua verve carregada como numa aquarela de cores fortes.

“As cidades, como as pessoas, podem ser sensuais ou frígidas. Pode-se viver uma vida inteira com uma pessoa sem chegar a conhecer ou sentir seu Eros. Do mesmo modo, uma cidade qualquer é capaz de fazer você estremecer de orgasmo imediatamente ou, ao contrário, condenar você a dez anos de uma coexistência melancólica.” (“O Eros de Moscou”, Sorókin, tradução: Arlete Cavaliere e Natália Quintero)

Uma novela em tom pastel de Lev Tolstói – “Felicidade Conjugal” –, que me aguardava há meses na estante, deu continuidade a meu itinerário. Li-a sem maiores paixões, emendando-a com “Os Últimos Dias” e “Uma Confissão”, do mesmo autor, estes sim repletos de maravilhas:
“Minhas atividades, sejam quais forem, serão todas esquecidas – mais cedo ou mais tarde, eu também não mais existirei. Então, pra que viver atarefado?” (Tradução: Rubens Figueiredo)
Obrigado, Lev, por ajudar a deixar mais leve um ano tão opaco!

De Tolstói a Tchekhov é sempre um atalho, e foi o que eu cruzei. Desfolhei “A Dama do Cachorrinho e outros Contos”, e, de repente, é como se eu quisesse ler, de uma só tacada, todas as narrativas em prosa daquele de quem até então eu só conhecia as peças. Saltaram das páginas os contos “Aflição”, “Um Dia no Campo”, “Um Conhecido”, “Gente Supérflua”, “Homem num Estojo”, “Queridinha” e “Na Primavera”, cujo início dá a chave do que virá depois:
“A neve ainda não se derreteu sobre a terra, mas a primavera já pede entrada na alma.” (Tradução: Boris Schnaiderman)

Perdi-me então nas grandes veredas da “Antologia do Humor Russo” e da “Nova Antologia do Conto Russo”, onde fui apresentado, entre outros, a Mikhail Saltikov-Schedrin, Aleksandr Kuprin, Arkadi Aviértchenko, Ievguêni Zamiátin, Isaac Bábel, Iuri Oliécha, Natália Dobrokhotova-Maikova, Vladímir Piatnitski, Vladímir Voinóvitch, Fazil Iskander, Dmitri Býkov, Arkadi Andrêiev, Andrei Platónov, Ilf e Petrov, Daniil Kharms, Konstantin Paustóvski e Aleksei Riémizov.

Pequenas descrições fazem das frases pirilampos:
“O dia seguinte, à noite. Um café. Um sofá vermelho. Dois homens. (…) Pela janela, como um peixe em um aquário, um bonde iluminado passa nadando de cabo a rabo.” (“Lábios Colados”, de Vladímir Nabokov, tradução de Graziela Schneider)

Migrei para os contos sempre excepcionalmente bem escritos de Nikolai Gógol – “O Capote e outras histórias” –, e depois para os intricados romances “O Ano Nu”, de Pilniák, “Inveja”, de Oliécha, e “Nós”, de Zamiátin, que alguns críticos consideram ter sido a obra que inspirou Aldous Huxley a escrever o seu “Admirável Mundo Novo”.
Eis que o labirinto de súbito se empareda, e eu fico rodando em círculos dentro do meu quarto.
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continua na próxima semana

Rodrigo Murat é escritor e escreve no blog rodrigomurat.wordpress.com

rodrigo murat

Imagem do artigo:pixabay

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