QUEM MATOU ODETE JEFFERSON?
(QUALQUER SEMELHANÇA COM NOMES DE PERSONAGENS DE TELENOVELAS REAIS DOS ANOS 70/80 NÃO É MERA COINCIDÊNCIA)
PRIMEIRO BLOCO
CENA 1 – PALANQUE DE POLÍTICO – EXT/DIA
O CANDIDATO BALDARACCI, CERCADO DOS SEUS, ESBRAVEJA, ESPUMA, BABA, VOCIFERA.
BALDARACCI – No meu governo, vai todo mundo dizer a verdade sem reticências! Eu vou colocar os pingos nos is e arrancar os tremas, pois quem treme, vira jacaré; jacaré vira bolsa, e quem quer bolsa, que vá rodar bolsa no outro governo prostituto!
O PÚBLICO APLAUDE E GRITA.
PÚBLICO – DIVINO! HERCÚLEO! GENRO QUE MINHA MÃE PEDIU A DEUS!
SOBE UM SUJEITO COM MÁSCARA NO PALANQUE E QUEBRA UM OVO DE JACARÉ NA CABEÇA DE BALDARACCI. PÂNICO GERAL.
CENA 2 – HOSPITAL – INT/NOITE
BALDARACCI, DEITADO, COM SACO DE GELO NA CABEÇA, SORVE UM REFRIGERANTE DE CANUDINHO. (CHECAR COM O MERCHANDISING SE HÁ INTERESSE NA AÇÃO.) MILENA, AO LADO, ATENDE TELEFONE.
ANÔNIMO – (VOZ OFF) – Por favor, eu gostaria de falar com o Baldaracci.
MILENA – O Balda não pode atender. O Balda está acima de todos.
ANÔNIMO – (VOZ OFF) – Pois diga a ele que aqui é o …
ANÔNIMO NÃO CONSEGUE TERMINAR A FRASE POIS SOFRE UM INFARTO OU É APUNHALADO PELAS COSTAS.
BALDARACCI – Quem era?
MILENA – Possivelmente alguém do povo. Essa gente adora falar com celebridade. Escória!
BALDARACCI – Ainda bem que você despachou. Odeio povo. Odeio gay, nordestino, preto, branco, mameluco, mulher, toda essa canalha.
MILENA – Mulher, amor? Você me odeia?
BALDARACCI – Você não é mulher. Você é a minha mulher. Do que é meu, eu gosto.
MILENA – Mas, amor, se você ficar odiando tanto assim todo mundo, as pessoas vão saber e não vão gostar de você.
BALDARACCI – Imagina, é só colocar Deus no discurso que todo mundo acredita. Ódio travestido de fé.
MILENA – Amém, né?
CENA 3 – REUNIÃO MINISTERIAL – INT/DIA
BALDARACCI CERCADO DE SEUS APÓSTOLOS MINISTROS.
BALDARACCI – Alguém tem algo a acrescentar ao nada que foi dito?
BARTOLOMEU – Eu: Bartolomeu.
BALDARACCI – Fala tu, só não demora que tá na hora da minha bacalhoada.
BARTOMOLEU – Eu sou a favor de aproveitar que está todo mundo olhando pra esquerda, e fazer a boiada passar pela direita. Que tal?
BALDARACCI – Demorou. Agora, chega. Todo mundo pro bacalhau. Eu quero bacalhau!
BARTOMOLEU – Cuidado, Balda, o povo pode entender bacanal.
BALDARACCI – Ora, o povo não entende nada! O povo está aparvalhado com o meu carisma! Vai ter carisma assim na casa do chapéu, hein? Tá ok? Gostou do chapéu? Estou segurando o linguajar.
CENA 4 – ENTRADA DO PALÁCIO – EXT/DIA
BALDARACCI DESCE A RAMPA CERCADO POR BRAÇO DIREITO 1 E BRAÇO DIREITO 2 E É CERCADO POR JORNALISTAS.
JORNALISTA – Presidente, o que o senhor pretende fazer para acabar com a chuva de gafanhotos gigantes que está caindo sobre a nação?
BALDARACCI – A senhorita preferia o que? Que estivesse chovendo canivete? Todo mundo que dê graças a Deus que esteja chovendo gafanhoto, que se gafanhoto fosse canivete, não seria gafanhoto, seria canivete.
JORNALISTA – O senhor não vai fazer nada? Parece que em Israel estão desenvolvendo um guarda-chuva gigante capaz de proteger dos ataques.
BALDARACCI – Guarda-chuva é coisa de veado. Quer guarda-chuva, pede pra mãe! Aliás, sabia que a senhora daria uma belíssima mamãezinha?
BRAÇO DIREITO 1 – Ih, pronto. Pintou um clima.
BRAÇO DIREITO 2 – Cala a boca, energúmeno. Um fala merda, o outro ri.
OS BRAÇOS DIREITOS RIEM.
CENA 5 – RESTAURANTE JAPONÊS – INT/NOITE
OS FILHOS DE BALDARACCI DIVIDEM UM COMBINADO DE SUSHI/SASHIMI NA BARCAÇA.
0A – O de camarão é meu.
0B – É meu, seu fdp. Você fica com o de ova.
0A – Fico com o de ova, uma ova, seu atum cabeça de bagre.
0C – Vamos rachar, pessoal.
0A – Isso aí: rachadinha. Rachar é bom que dá pra todo mundo.
ENTRA MARIA FAZ FAVOR, UMA EX-LARANJA.
MARIA FAZ FAVOR – Rachando, né? Nem pra me chamarem! Judas! Traidores!
0A – Maria, faz favor! A gente tá jantando! Quer nabo?
MARIA FAZ FAVOR – Enfia o nabo no rabo!
NO CLOSE DE ÓDIO DE MARIA FAZ FAVOR, CORTA PARA FIM DO PRIMEIRO BLOCO.
SEGUNDO BLOCO
CENA 6 – IGREJA – INT/NOITE
ISAURA, A MINISTRA DO HETEROSSEXUALISMO, E MILENA FALAM PARA O AUDITÓRIO LOTADO DE SERVOS SUBMISSOS.
ISAURA – Estão acontecendo coisas horríveis com as nossas crianças, e, como eu sou uma escrava, uma serva da verdade, a serva Isaura, eu estou aqui para provar que onde há cabelo, há ovo Eu tenho vídeos. Eu tenho fotos. Eu tenho boletins escolares com nódoas daquele material translúcido nojento.
SERVO 1 – O que está acontecendo, Ministra? Se abra! Confie na gente! Somos todos uns túmulos!
ISAURA – Vamos lá em casa que eu mostro. Está tudo catalogado.
MOVIMENTO DE FIEIS SAINDO DO AUDITÓRIO AOS TRANCOS E BARRANCOS.
CENA 7 – CASA DE ISAURA – INT/NOITE
TODOS SENTADOS EM SEMI-CÍRCULO QUADRADO. ISAURA COLOCA UMA FITA VHS NO VIDEO CASSETE. MILENA CHEGA COM UM BALDE.
MILENA – Algum servo servido?
ISAURA – Sirvam-se. É pipoca benta com o sal do Mar Vermelho.
MILENA – Que mar Vermelho, sua louca! Tá piroca das ideias?
ISAURA – Verde-amarelo. Eu disse sal do Mar Verde-Amarelo. (Cochichando para Milene) Já está gravando?
MILENA – Sim.
ISAURA – Depois precisamos editar essa parte.
MILENA – Pode deixar. Eu vou falar com aquele meu sobrinho especializado em deepfake. Foi ele que fez o vídeo do Baldaracci andando sobre as águas do Lago Paranoá.
ISAURA – Maravilha. Bom, pessoal, vai começar a sessão. Todo mundo bem tenso, bem nervoso, que o negócio não é bolinho, não.
TODOS OLHANDO APAVORADOS À TELEVISÃO DE TUBO. É POSSÍVEL QUE ESTEJAMOS EM 1985 OU ATÉ MESMO NA IDADE MÉDIA. O TEMPO NESSA HISTÓRIA É COMPLETAMENTE SUBJETIVO.
SERVO 2 – Mas, Ministra, esse filme não é aquele – o “Garganta Profunda”?
SERVO 3 – É o “Garganta”, sim. Eu já vi nove vezes.
SERVO 2 – Nove vezes?
SERVO 3 – Pra decorar as falas. Eu gosto das falas. São poéticas.
SERVO 2 – Falas ou falos?
SERVO 4 – Eu pensei que a gente fosse ver o “Frozen”.
ISAURA – Pessoal, assim não dá, todo mundo falando! Vamos concentrar que é a coisa é séria, que a coisa é profunda?
MILENA – Eu vou no banheiro passar um cheque.
ISAURA – Segunda porta à esquerda.
MILENA – Que esquerda, louca! Direita.
ISAURA – Direita, direita. Eu disse direita.
CENA 8 – ESTÚDIO DE TV – INT/NOITE
OS CANDIDATOS EM SEUS PÚLPITOS.
APRESENTADOR – Agora é a vez da candidata Maria de Fátima Accioly fazer a pergunta ao Índio Cleverson.
MARIA DE FÁTIMA E ÍNDIO CLEVERSON SE APROXIMAM NO PROSCÊNIO.
MARIA DE FÁTIMA – Que absurdo! Um candidato índio! O senhor não tem vergonha, não, de colocar esse cocar da 25 de março, essa tanga de miçanga customizada?
ÍNDIO CLEVERSON – Vergonha eu teria se eu fosse a senhora. Que ao invés de estar em casa, com a barriga encostada no fogão, fritando um bom de um pastel de carne pro teu marido, vem pra cá disputar cargo público. Não fica em casa porque não tem macho. É mal-amada.
MARIA DE FÁTIMA – Isso eu não admito, Willy Bondy, eu exijo direito de resposta.
WILLY BONDY – Pessoal, por favor, será que dava pra gente disfarçar um pouco que estamos debatendo alguma coisa? Assim, como fica a cara dos nossos patrocinadores? Faça a sua pergunta, candidata Fafá.
MARIA DE FÁTIMA – Pois muito bem, seu índio de festa de playground, o senhor não tem medo, não, de ser devorado pelo bispo Sardinha numa revisão histórica rebobinada?
PLANO-DETALHE DE UM REVÓLVER SAINDO DA COXIA. NO SUSPENSE DO DEDO NO GATILHO AMEAÇANDO ATIRAR, O CAPÍTULO ACABA.
Rodrigo Murat é escritor
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