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QUANTO CUSTA A SUA VIDA?

QUANTO CUSTA A SUA VIDA?

O avarento é um personagem arquetípico. Tanto, que batizou uma peça teatral icônica do século XVII de Molière. São muitos os termos para designá-lo: mão de vaca, unha de fome, pão-duro, mão fechada, avaro, mesquinho, e há também aquele famoso ditado que diz que o avarento não abre a mão nem para jogar peteca. O avarento, em poucas palavras, se revela. Ele logo dá um jeito de avisar que acha a vida cara. É como se fosse um motor de propulsão. O tipo avança com o freio de mão puxado e, como dizia minha mãe, emulando um antigo ditado que ouvia em casa, “pense duas vezes antes de gastar um vintém.”

O que mais me espanta é que para alguns avarentos dinheiro não falta, nunca faltou, nem faltará. Eu tenho um apartamento num prédio de Ipanema cuja síndica – hoje com 92 anos – poderia ganhar o título de Miss Avara do século. Ela é proprietária de duas unidades – uma no oitavo, onde mora, e outra no terceiro, fechada há décadas acumulando pó, cartas e contas como num museu de inutilidades. Nem ela vai lá. A faxina é feita, possivelmente, pelo seu anjo-da-guarda. Ela não vende, não aluga, nem está interessada.

Tente lhe oferecer um milhão. Ela é capaz de dizer, à la Bartleby: “Obrigada, preferiria não.” Ela prefere contar moedas e deixar na gôndola do mercado um iogurte alguns centavos mais caro do que ela está habituada a comprar – segundo me contou o porteiro. Ela nunca se casou, não tem filhos, e só o que lhe resta de família são dois sobrinhos – igualmente solteiros e primos entre si – que moram a uma quadra – cada qual em seu galho – e não
estão nem aí pra ela. Nem no Natal a procuram.

O outro exemplo de avarento que eu tenho no meu círculo de relações é o de um sujeito que sempre teve vida boa, sempre morou em ótimos apartamentos, herdou alguns e herdará outros, mas, mesmo assim, acha interessante economizar no transporte. Uma vez, ele comentou: “O uber estava muito caro: sete reais. Preferi vir a pé.” Isso porque ele teve, ao longo da vida, salários que variavam entre quinze e vinte e cinco mil. Sempre me espanta que alguém com esse ótimo padrão de vida, ache interessante economizar uma migalha. Me aparece uma espécie de anorexia ao contrário aplicada à vida financeira: a pessoa está gorda, se olha no espelho e se acha magérrima.

É curioso os mecanismos que usamos para lidar com algo tão volátil quanto o dinheiro. Eu sempre tive a mania – meio infantilóide – de compensar gastos. Uma vez, lá pelos anos 90, comprei roupa cara em loja badalada da época na Oscar Freire, e, depois, para equilibrar – como se isso fosse baratear a roupa – voltei sacudindo de ônibus para o
apartamento na Lapa onde estava hospedado. Típico pensamento classe média do qual ainda não me curei completamente.

O economista e escritor Eduardo Gianetti tem um livro – “O Valor do Amanhã” – que fala sobre isso. Sobre o quanto que optamos por colocar nos pratos da balança do presente e do futuro os nossos desejos, projetos e sonhos. Será que vale a pena economizar hoje para gastar amanhã? Realizo o desejo imediato de satisfazer o paladar com uma bomba de chocolate ou preparo a barriguinha sarada para o verão que se aproxima?

Em matéria de jornal sobre o Copacabana Palace, que semana passada completou cem anos, leio que Jorginho Guinle, herdeiro do negócio, torrou cem milhões, viveu mais do que pretendia, e acabou pobre, vivendo com a sua aposentadoria do INSS. Em março de 2004, já doente, realizou seu último desejo: hospedou-se no hotel gratuitamente. Morreu horas depois, na suíte 153, após pedir estrogonofe de frango e sorvete de framboesa de sobremesa.

A vida é uma caixinha de surpresa. Alguns, a transformam em cofre-forte. Outros, a deixam aberta e displicente ao sabor dos ventos da vontade.

Rodrigo Murat é escritor
Rodrigo Murat

Imagem:Molière

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