COMO SER CHATO SEM CHATEAR OS OUTROS
Eu não sei se sou eu o chato – muito possivelmente -, mas eu tenho a tendência de achar chatice nos outros como quem localiza celulite em caráter. Não é bom. Muito mais lucrativo seria – para mim e para eles – que eu lhes destacasse as qualidades, que todo chato tem, embora, muitas vezes, em segundo plano. O problema é que há pessoas que acreditam demais no próprio personagem, e saem arrotando por aí frases de efeito como se fossem verdades absolutas em detrimento do que os outros pensam. É por isso que eu acho que deveria haver uma matéria chamada Teatralização do Discurso, a ser ensinada desde o jardim da infância – jardim da infância ainda se chama jardim da infância? – para que o cidadão e a cidadã mirins já entendessem, de cara, que é disso que se trata o estar no mundo. Já que viver é representar, se a gente o fizer com consciência e distanciamento crítico, comete menos erros, poupa os outros na nossa canastrice, e ainda faz tudo ficar mais leve e divertido – embora, nem sempre, o mundo permita tais bolhas de sabão.
Por exemplo, a questão da vaidade. Esse negócio, cada vez mais oficializado, de querer ser lindo e interessante e se postar sem parar nas redes na caça de likes, é algo que, se feito muito repetidamente, pode fazer o tiro ir pela culatra. Melhor seria que o usuário conseguisse disfarçar o ego por trás da enorme admiração que sente por si e dosasse o conteúdo. Parafraseando Pessoa, autoestima sim, mas devagar.
Artistas – melhor falar do próprio umbigo – costumam ser muito chatos. A maioria se acha superior porque, afinal, ter o rosto e o nome projetados não é mesmo tarefa fácil e tende a causar efeitos colaterais. E há ainda os falsos humildes que dizem nas entrevistas: “Eu sou uma pessoa igual a qualquer outra”. Só o fato de explicitar isso, já mostra que, na entrelinha, está-se pensando o oposto.
E há palavras e termos muito chatos que as pessoas repetem na busca de um mimetismo coletivo. Será interessante dar férias ou aposentar termos como “distopia”, “icônico”, “sextou” – embora “sextou” seja divertido. E essa mania de usar “lugar” como palavra curinga? A primeira vez que a ouvi, em 2011, foi, justamente, saída da boca de um artista com quem eu estava fazendo um curso. A cada oito frases, o sujeito dava um jeito de encaixar o termo: “Fazer essa peça me levou para um lugar de entendimento do outro”, “Shakespeare tem esse lugar do clássico”, “Eu estou num lugar de querer fazer mais cinema do que televisão”. Fernanda Montenegro gostava – e gosta – de usar a palavra “zona”. Aì, veio um peralta e inventou a “zona de conforto” e saiu todo mundo repetindo – o que causou um certo desconforto. Há alguns meses não a escuto. Talvez, tenha ido para a zona de limbo.
Pau de selfie era muito chato – não tenho visto. Sertanejo universitário é muito chato – embora seja preciso respeitar o gosto alheio. Pessoas escutando áudios em locais públicos – chatíssimo. A intimidade esfregada na nossa cara, insuportável, embora, por vezes, garanta momentos divertidos, como nessa conversa ao celular de uma mulher outro dia atrás de mim na fila do teatro: “Aquele prédio tá virando um favelão. A babá herdou o apartamento. Daqui a pouco vai ser o porteiro. Como que você não quer que eu me abra com você? Eu vou falar, sim. Não sou baú, pra guardar coisa.” Por um momento, pensei ter entrado para um esquete do Porta dos Fundos. Olhei pra trás, mas a mulher não era a Evelyn Castro.
Dizem que os nativos do signo de Capricórnio são chatos – e eu sou. Se não chato, nativo de Capricórnio. De toda forma, tento guardar o chato que há em mim no meu baú, a fim de não incomodar muito os outros. Tenho a pretensão de achar que consigo. Não sei se isso me faz um chato a menos na sociedade.
Rodrigo Murat é escritor
Imagem:Capricórnio