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CLUBE EMPRESA NO BRASIL É POSSÍVEL?

CLUBE EMPRESA NO BRASIL É POSSÍVEL?

Que qualquer debate no Brasil tenha virado uma relação de vida ou morte já não é mais dúvida para ninguém. Perdemos a capacidade de trocar ideias, argumentar sem gritar, ouvir sem fazer careta.

Resolvemos tudo como aquela criança que aperta a campainha e corre, uma brincadeira comum quando eu tinha 10 anos e ainda podia brincar pelas ruas de São Paulo – será que serei “cancelado” por ter feito isso?

É o que vejo quando o assunto é clube empresa de futebol. Todas as “lives” e podcasts sobre o tema são sempre grandes ações entre amigos, nas quais o que vale é a defesa do modelo associativo e suas belezas democráticas ou então a necessidade de modernizarmos as estruturas do futebol e colocar donos nos clubes.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.

O problema do debate feito sem ponderarmos riscos e benefícios, prós e contras, é que perdemos a chance de melhorarmos o modelo que mais nos agrada.

Porque, no final das contas, o que importa não é o modelo societário, mas o modelo de gestão. E esse precisa ser profissional, com estruturas fortes de governança e controles internos que aportem conhecimento e melhores práticas.

Assim, o Brasil se afasta de um modelo de clubes com donos efetivos, bastante difundido no mundo, no lugar dos donos “informais” que dominam as associações brasileiras.

Ainda que alguns defendam que “os clubes são dos torcedores”, a verdade é que eles são dos sócios e dos conselheiros. Muitas vezes, eles são controlados por conselhos vitalícios, envelhecidos, com mentalidade e ideias ultrapassadas.

Veja como é a distribuição dos clubes na Europa, por país, de acordo com sua estrutura de controle:

O Brasil e seu modelo exclusivamente associativo na Série A (o Red Bull Bragantino ainda é uma associação) tem equivalentes europeus em Andorra, na Estônia, Ilhas Faroe, Islândia e Liecheinstein. Ou seja, estamos acompanhados da fina-flor do futebol europeu.

Na outra ponta, dos países com a totalidade de clubes-empresas, temos Inglaterra, França, Itália, Escócia, Eslováquia, Macedônia e Suiça. Obviamente, isso já mostra que não basta ter todos os clubes como empresa para tornar o futebol uma potência. E este é o grande ponto.

O futebol não tem regra clara quando o tema é controle acionário. Mas ele precisa ter alternativas de modelos de controle que permitam aos clubes obterem os melhores resultados possíveis a partir de sua estrutura de controle.

Nos outros exemplos de grandes ligas, a Espanha tem 70% de empresas e, na Alemanha, são 72%, num modelo pra lá de flexível.

Aliás, falando do modelo alemão, existe uma ideia um tanto equivocada sobre o modelo “50% + 1”.

Os casos do Bayern de Munique e do Borussia Dortmund deixam isso bem claro, com seus “acionistas minoritários” despejando dinheiro nas estruturas – especialmente o Bayern – e o Red Bull Leipzig usando uma estrutura associativa de fantasia para que a empresa de bebidas controle o time.

Não ajuda em nada o debate quando os detratores do clube-empresa lembram apenas dos casos que deram errado.

Sempre citam os abandonados (Bury FC, Malaga), ou aqueles em que os donos não se preocupam com os torcedores (Valencia, Udinese). Mas os críticos ignoram os bons trabalhos feitos por tantos outros. Aliás, esses casos são a maioria.

Assim como em qualquer negócio, há empresários bons e ruins. O futebol é também um negócio. E, para cada empresário ruim, há inúmeros bons, que tentam transformar seus negócios – no caso, os clubes de futebol – em bons produtos, que obtenham sucesso esportivo e sejam vendidos por valores maiores no futuro.

Um dos alvos mais constantes do pessoal anti-empresa é o Manchester City e seu controlador, o City Football Group (CFG).

A despeito de uma estratégia com cara de sportwashing – prática que utiliza investimentos no esporte para “limpar” a imagem de acionistas e/ou patrocinadores – o modelo do CFG nasceu com aportes de capital inicial e se estabeleceu com sucessivas aquisições de clubes mundo afora.

Uma estratégia clara, de quem quer colocar os pés em diversos mercados para acessar a contratação e formação de atletas, bem como criar uma marca global que permita, inclusive, que esses atletas circulem pelos diversos clubes.

Há uma proliferação de teorias conspiratórias que imputam ao CFG e a outros clubes, como os controlados pela Red Bull, a ideia de que eles vão executar ações que desafiarão o Fair Play Financeiro da UEFA ou, até mesmo, vão burlar regras da FIFA, como a proibição ao TPO (Third Part Ownership, que é o “fatiamento” dos direitos econômicos de um atleta, com participação de empresários e investidores entre os “donos”.)

Mas alegar isso é como chamar de malvado o empresário porque o arroz custa R$ 25, sem ao menos entender os efeitos do câmbio, da entressafra, da redução de área plantada, da falta de visão de gestão pública sobre a segurança alimentar.

Segundo OS SIMPSONS (2004, episódio 19, 16ª temporada): “Se a culpa é minha, coloco em que eu quiser”.

Associando o lema ao tema, quando a operação Arthur/Pjanic foi concretizada, gerando ganhos que ajudam Juventus e Barcelona a atingir as metas do Fair Play Financeiro, convenientemente ninguém lembrou que o Barcelona é uma associação. Aliás, essa foi uma operação absolutamente lícita e que ocorre o tempo inteiro.

A chegada de investidores com a característica do CFG a outros mercados deve ser vista como oportunidade de aporte de gestão e tecnologia de desenvolvimento do esporte.

Não cabe, num mundo cada vez mais integrado como o do futebol, abrirmos mão de elementos que ajudaram a elevar a qualidade do esporte que se pratica na Europa, cada vez mais distante do que se pratica no Brasil.

Segundo estudo da Associação Europeia de Clubes (ECA), 26% dos fãs brasileiros de futebol tem um time estrangeiro como seu primeiro time.

Seguindo a lógica das reclamações com empresários, a solução talvez seja proibir as transmissões de campeonatos estrangeiros no Brasil. Se não vê, não gosta. (“Ironic Mode ON”, para não deixar dúvidas).

Abrir o mercado de futebol para clubes-empresas demanda muita atenção, justamente para evitar a entrada de dinheiro sujo ou mesmo de empresários sem capacidade financeira ou com problemas reputacionais.

Uma forma de minimizar esses riscos é usar práticas comuns das corporações, como a implantação de um processo chamado KYC (Know Your Client – ou “Conheça Seu Cliente”), uma avaliação qualitativa que se faz sobre o cliente, para saber se eticamente é possível fazer negócios com ele. Cabe o mesmo para avaliar investidores em clubes de futebol.

A maioria dos países adota este tipo de controle, seja por meio da federação ou da liga, e eles estão constantemente endurecendo as condições.
Cabe ao Brasil, na esteira de um projeto de lei que visa destravar o processo de transformação de associações em empresas, criar mecanismos de controle. Se eles não estão nos dois projetos de lei que estão em debate no Senado, deveriam.

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