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A ETERNA LUTA ENTRE O “L” E O” J”

Eu e os outros

A ETERNA LUTA ENTRE O “L” E O” J”

O diálogo acontece no vestiário da Academia + Fitness do Bairro + Fino da Cidade + Rica do país em questão.
– Eu estou com uma teoria.
– Sei. Você e as suas teorias de melão.
– Melão?
– Verde por dentro, amarela por fora.
– Não entendi.
– Esquece. Bobagem. Diz aí a sua teoria.
– Eu acho que eu entendi o negócio. A coisa funciona assim: os apoiadores do J se dividem em dois grandes grupos: os Narcisos – que são os que não conseguem sair de si e, portanto, tem zero de empatia por qualquer um que não seja da sua laia, e os Cândidos – que saem de si o tempo todo e, por isso, sem questionar, seguem o líder como numa boiada ou cardume.
– Não entendi.
– Os que não conseguem sair de si – os Narcisos: basicamente todos os caras dessa academia. Essas pilhas e pilhas de músculos tatuados, de roupinha dry fit e garrafinha water dry pra sensualizar bebendo água com a pernoca levemente erguida pra mostrar a coxa você acha que são todos seguidores do J por que? Porque eles não conseguem identificar o Outro Diferente. O radar deles não alcança – salvo se o Outro for igual a eles, isto é, igualmente gostosos. Por isso, nordestinos, índios, cafuzos, mamelucos, imigrantes, qualquer indivíduo de outro extrato social que não tenha a ver com o deles são intrusos na festinha. Eles acham que eles são os donos da festinha. E na festinha utópica deles só tem espaço pra gostosos e gostosas iguais a ele, e o J representa o top desse top. Embora o J não seja nenhum Mr. Universo – até porque tá completamente esbagaçado depois de quatro anos lambendo as bolas do poder –, ele tem passado atlético, presente heroico e futuro olímpico.

– Certo. E os outros?
– Os que saem de si o tempo todo – os Cândidos. Por exemplo, a sua tia, a minha, a de quase todo mundo. Quase todo mundo tem uma tia que segue candidamente tudo o que o seu mestre manda. Se os nossos tios disserem pra elas que laranja mata, elas nunca mais chupam uma.
– Sei. E aí eles dizem que se o L ganhar implanta o comunismo no país e elas acreditam.
– Claro. Não é o que eles dizem o tempo todo da hora em que acordam à hora em que vão dormir – cuidado, não se esqueça de que o L quer transformar o país numa Cuba?
– Sim, mas você não acha que está sendo um pouco reducionista com esses rótulos todos de garrafa?
– Meu caro, toda ideia é reducionista. Toda ideia confinada em palavras reduz o sentido do que se pode amplamente querer dizer. Uma frase é um retrato, não um filme.
– Sei. Então, por essa por essa sua visão, pelo que eu pude entender, quase metade das pessoas desse país é formada por sociopatas.
– Não necessariamente. Eu não acho que os Cândidos sejam sociopatas, e mesmo os Narcisos não são todos maus. Muitos são incapazes de fazer mal a uma mosca, o que não quer dizer que estão aptos a fazer o bem a borboletas. São indivíduos autocentrados, que vão passar a vida se olhando no espelho, mesmo quando não há nenhum por perto. Eles olham pros outros como se os outros fossem espelhos, imaginando como estão sendo vistos. Até quando eles estão trepando, eles fazem isso. Eles trepam olhando pra si próprios e se desejando através do olhar do outro.
– E os adoradores do L, em contrapartida, são todos ótimos?
– Claro que não. Há canalhas incríveis em todos os elencos. Eu só diria que os adoradores do L, pelo menos os que eu conheço, embora muitas vezes sejam uns equivocados incríveis – até porque o ser humano é equivocado pelo simples fato de que estar no mundo tendo de dizer um texto, se autointerpretar e se autodirigir não é nada fácil – são pessoas que saem de si e se colocam no lugar do outro. Eu não preciso ser índio pra achar que índio não deva ser eliminado como uma coisa que o mundo já superou. Nem pedófilo pra ser contra a castração química. Estamos todos no mesmo barco. Somos todos responsáveis por todos, e sustentamos o mesmo mundo nas costas.
– Sei. Agora você vai querer posar de Madre Teresa e transformar o mundo numa Calcutá.
– Não é um bom parâmetro? Algum a gente não precisa ter?
(Sem resposta)
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“De todos os problemas que nos perturbam, o do destino e do livre arbítrio é o mais obscuro. A coisa já está escrita e nós podemos escrevê-la, nós podemos mudar o seu fim? A verdade é diferente. O tempo não. Ele é a nossa dobra. O que acreditamos executar na sequência, se executa de uma vez. O tempo nos desenovela. Nossa obra já está feita. Resta-nos nada menos do que descobri-la. É essa participação passiva que surpreende. Eu decido e não decido. Eu obedeço e dirijo. É um grande mistério.” (“A Dificuldade de Ser”, Jean Cocteau, tradução de Wellington Júnio Costa.)

Rodrigo Murat é escritor
Rodrigo Murat
Imagem de Rosy – The world is worth thousands of pictures por Pixabay

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