“BATE O TERCEIRO SINAL. LUZ SOBE NO ANDAR DE CIMA.
GRAVAÇÃO
O único problema metafísico hoje no mundo é o mundo. A época em que o autor fotografava a vida ao seu redor com a mecânica das palavras deve estar, graças a Deus, chegando ao fim. A autonomia e a consciência conjecturam a torrente de universalidade que tenta martelar uma constante visão verbal que destrói o tempo espacial e a diversão filológica, resultados, obviamente, da mente desencantada do artista. Como teria sido Joyce se vivesse na Idade Média?” (Gerald Thomas, excerto do texto teatral PRAGA)
Em 1988, Gerald Thomas estreia a TRILOGIA KAFKA com três espetáculos revezando-se no cartaz: UM PROCESSO, UMA METAMORFOSE e PRAGA; os dois primeiros adaptados de livros de Franz Kafka; o terceiro, um mergulho épico-dramático no universo kafkiano da lavra do próprio diretor.
A cenógrafa Daniela Thomas, no programa das peças, explica a concepção do espaço cênico:
“Em que nicho, em que círculo do Inferno vou encarcerar esses pobres personagens? Pensei na flecha de Zeno, que jamais atinge o alvo, visto que se torna número. Imaginei então um discurso dirigido a uma parede de livros. Decidido o lugar, passei a me preocupar com sua arquitetura. As dimensões eram importantes. Estantes altíssimas. O peso também era vital. A madeira suaviza a nossa impressão de peso. Pesada é a ponte de ferro, a igreja de pedra, ou então a biblioteca de concreto armado. É claro que não existe no mundo uma só biblioteca de concreto armado. Mas como ela seria pesada se existisse!”
Certamente, um dos cenários mais belos já criados para o teatro brasileiro, a biblioteca de concreto armado de Daniela sufocava e oprimia, apequenando os atores que, como moscas na sopa, buscavam agarrar-se a alguma borda do prato envoltos em fumaça de gelo seco por trás da tela de filó – marcas do teatro de Gerald.
Sobre esta fase, com a Companhia de Ópera Seca, o encenador vaticinava: “Num país onde não existe teatro como física, onde só existem shows de mentirinha, prefiro me concentrar em qualquer outro assunto e torná-lo ópera. Ópera seca.”
Na trilha sonora, sempre tão fundamental nos espetáculos da companhia, música composta pelo norte-americano Philip Glass acrescida da Sonata em Fá Menor de Cesar Franck e de um excerto do Parsifal de Wagner. No elenco, Beth Coelho, Oswaldo Barreto, Marco Stocco, Marcos Barreto, Malu Pessin, Magali Biff, Edilson Botelho, Zacharias Goulart e Domingos Varela.
Assisti a “Praga” e “Um Processo” num domingo perdido no tempo no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, antes de varar a noite na Dutra a caminho do Rio com a biblioteca de Daniela pendurada na cabeça. Logo depois, quando a trilogia veio para o Rio, assisti tudo de novo. Pena que “Uma Metamorfose” foi, na temporada carioca, substituída por “Carmem Com Filtro 2”, e eu não tive o prazer de ver Damasceno na pele escamosa de Gregor Samsa transformado em barata.
TRILOGIA KAFKA, afastada a cada dia no tempo, é agora uma lembrança enfumaçada, que ajuda a atravessar esse longo período de jejum teatral como uma promessa retroativa de beleza.
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Este texto é a segunda parte de uma trilogia que pretende um sobrevoo sobre o teatro de Gerald Thomas dos anos 80.
Texto: Rodrigo Murat é escritor
Imagem de Free-Photos por Pixabay
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