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P.S. SÃO PAULO

Arranquei três dias da folhinha e fui gastá-los em São Paulo. Adoro gastar tempo em SP – cada miinuto me é devolvido com juros. É como se eu estivesse numa realidade paralela, num filme ou num clip com imagens velozes voando ao meu entorno. Aproveito para exercitar o meu lado flâneur. Tem essa palavra em português? No tradutor, encontro: errante, vadio, caminhante ou observador. Sim, procuro caminhar observando, mas tenho dificuldade em errar e ser vadio. Dessa última vez, cheguei a pensar em entrar num ônibus qualquer na Teodoro e me deixar levar, mas a sensação de insegurança falou mais alto.

De todas as últimas vezes que fui pra SP, me hospedei em Pinheiros, na casa da minha amiga que está morando por um ano em Paris. Bato perna sempre pelas mesmas quadras, entrando sempre nas mesmas livrarias – tem o sebinho da Sebastião Velho, “Desculpa a Poeira”, particularmente curioso –; almoçando sempre no mesmo vegano da Fradique, e esticando, às vezes, o passeio até a Faria Lima dos grandes agentes financeiros. Dessa vez, fui até o shopping principal da avenida e fiquei pasmo de ver que todas as grifes mais famosas do mundo continuam lá, impávidas e reunidas, com seus artigos caríssimos nas vitrines e seus consumidores vorazes roendo pelas beiradas. Uma T-Shirt: mil reais.

A primeira vez que fui a Pinheiros, nos anos 80, deve ter sido ou para ir na loja Eric Discos – agora recém-derrubada para dar lugar a um prédio – ou para assistir ao espetáculo “Emoções Baratas”, do José Possi Netto, num local acho que chamado Ópera Room na rua Pinheiros. Nessa época, eu ficava hospedado na Lapa ou em Higienópolis e rodava tudo de ônibus, descobrindo todas as rotas e me aventurando a errar. Remontando aqui as peças do quebra-cabeça, percebo que tenho várias memórias ligadas ao bairro de Pinheiros e a suas ruas de nome sonoro. Jantei uma vez na casa do Naum Alves de Souza que morava na Cristiano Viana. Fui umas duas vezes no apartamento dois-quartos da Miriam Batucada que morava na Alves Guimarães. Com ela, assisti ao Tony Ramos travestido de mulher cantando “Joga Pedra na Geni” num espetáculo em homenagem ao Chico Buarque num lugar que se eu não me engano se chamava Palladium. A Miriam era muito divertida e, num otimismo ótico, chegou a dizer certa vez que eu era parecido com o Warren Beatty e que deveria tentar a carreira de ator. Esses elogios – ainda que exagerados, pra uma alma tão carente de likes – a gente não esquece.

Lembro uma vez em que andando pela Rebouças eu cruzei com a Bia Lessa. Meu Deus, Bia Lessa andarilha em plena Rebouças! Éramos então como que dois pedestres saídos do conto futurista do Ray Bradbury – “The Pedestrian” – onde andar faz recair sobre o indivíduo uma aura de suspeição e à polícia é permitido a abordagem. Ser pedestre em SP é mesmo esquisito na maior parte dos lugares. Eu nunca consegui andar pela Avenida Brasil, por exemplo, sem lembrar do conto do Ray que li, adolescente, quando aluno de inglês do Brasas. Fico achando que os motoristas que me veem atravessar na faixa de pedestre devem ter pena ou medo de mim.

Andei pela Paulista. Visitei a exposição imperdível do Evandro Teixeira no IMS. Fui ao teatro no Sesc Bom Retiro. Jantei na Liberdade. Voltei reabastecido pra minha realidade-documentário depois de três dias da mais pura ficção com final feliz.

P.S. Será que se um dia eu for morar em São Paulo esse gosto bom de filme passa?

Rodrigo Murat é escritor

Imagem: Marcus Plessmann de Castro

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