O DEUS DAS CARNIFICINAS – RODRIGO MURAT
O pai do menino Donald telefona para o pai do menino Joe:
– Escuta aqui, meu camarada: o idiota do seu filho roubou o pirulito do meu.
– Negativo. Todo mundo sabe que foi o seu que tentou roubar o pirulito do meu.
– Todo mundo quem? Todo mundo estava lá, por acaso, pra saber, pra ver, pra checar de perto?
– E você, por acaso, estava!
– Não, mas o meu filho me contou.
– Ora, o que o seu filho diz não é confiável. Um topetudo com o rei na barriga.
– E o seu é: muito confiável.
– É. Tanto é, que estão todos do lado dele.
– Você fala “todos” mas “todos” não passa de um grupelho de ocasião manipulado para lamber suas botas.
– Não, meu caro. “Todos” é a maioria, e na vida é o que conta. Se a maioria pensa de determinada maneira, é porque é a maneira certa de ver a coisa.
– Ah, é? Pois então eu vou lhe citar a máxima de Chamfort: “Pode-se apostar que qualquer ideia pública, qualquer convenção herdada, é uma tolice, pois foi conveniente à maioria”.
– Não me venha com essas citações! Esses pensamentos não fazem mais do que tentar impulsionar o desejo de uma minoria; e o desejo de uma minoria não pode se sobrepor ao desejo da maioria, que é, de fato, quem tem razão.
– Pois eu exijo que o seu filho devolva o pirulito do meu.
– Não seja por isso. Se você está tão empenhado assim na acusação, vá aos tribunais. Se a questão é saber com quem está a verdade, judicialize o pirulito!
– É o que eu fazer. O mundo espera por isso: pela volta do pirulito a quem lhe é de direito.
– Pessoas como você precisam de advogados que fucem as leis até que se abram brechas, já que a verdade nua e crua não permite manobras.
– A verdade nua e crua será devidamente vestida com a toga escarlate e a crina branca da Justiça.
– Pois muito bem. Eu já lhe dei minutos demais do meu tempo.
– Oh! Como ele é democrático! Socializou o seu precioso tempo comigo! Chego a ficar emocionado com tamanho altruísmo.
O pai do menino Joe desliga.
O pai do menino Donald entra no Zoom e recebe o apoio caloroso do pai do menino Viktor, do pai do menino Andrzej, do pai do menino Recep e do pai do menino Jair – todos preocupadíssimos com o futuro da decadente fábrica de pirulitos.
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“O Deus da Carnificina” é o nome de uma peça da dramaturga francesa Yasmina Reza, posteriormente adaptada para o cinema por Roman Polanski.
Rodrigo Murat é escritor e escreve no blog rodrigomurat.wordpress.com
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