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ARRAIAL DO CABO

Alguns filmes ficam cada vez melhores com o passar do tempo. Ou porque são finalmente compreendidos ou simplesmente porque as revisões corrigem os maus juízos diante do olhar mais atento.
O crítico de cinema Sérgio Alpendre diz que as revisões servem para nos fazer de bestas quando descobrimos que aquele filme que sempre achamos genial não passa de um truque barato para nos impressionar porém, surpreendente é rever um filme que já se achava bom crescer na revisão a ponto de levar às lágrimas.
Parece ser o que acontece com Arraial do Cabo, filme realizado por Paulo Cezar Saraceni e Mário Carneiro em 1959. Incontestavelmente, é de significativa importância reflexionar sobre o espírito da época para compreender possíveis razões do pensamento correr de um lado ou de outro. Do mesmo modo, é importante admitir a fluidez do pensamento que sendo vivo, assim como a linguagem, sofre mudanças continuamente.
Levando-se em conta que em 1959, ano anterior à fundação de Brasília, o desenvolvimento e porque não dizer o progresso eram temas relevantes. O nativismo, como define o professor Sergio Santeiro, como termo mais apropriado ao se referir aos povos e as coisas orgânicas, era uma outra questão.
Arraial do Cabo coloca o conflito dos elementos em questão: os pescadores e os operários, o povoado e a fábrica. O bule de café anuncia a chegada do dia em Arraial. Os nativos habitantes vivem de suas atividades sendo o mar o principal meio de subsistência na sociedade de tradição primitiva.
Neste ambiente, a chegada do FêNêMê nos leva à construção de uma indústria: a Fábrica Nacional de Álcalis e ao súbito advento da era industrial na sociedade cujas raízes são ancoradas à simplicidade de uma cultura antiga que se desenvolveu na medida do povoamento do litoral e que permanecia sem maiores influências externas.
O maior tempo do filme se concentra nas belas imagens da pesca cuja plasticidade e dramaticidade tanto é objeto de documentação como de encantamento. O movimento da luz, do mar, das redes, dos peixes e dos homens transbordam da tela, rompe os limites da câmera, se liberta.
Finalmente, outro elemento identificador da sociedade brasileira, o bar é o local dos encontros. O descanso é essencial, o prazer é universal. No bar, entre o pescador e o operário não há oposição, mas há o discurso do homem na praça que embora sem som confirma o drama da cidade invadida pela máquina. O que mata é o capitalismo.
Arraial do Cabo é marco do cinema novo, é também filme inaugural que retoma a escola de documentários de Humberto Mauro, portanto inovador para o desenvolvimento do documentário brasileiro, é eterno porque demonstra nossa evidente capacidade de sobrevivência sustentável, é moderno pela independência da linguagem que caracteriza a sua nacionalidade.

Paulo Cezar Saraceni, ao retornar da Itália onde residiu por quase dois anos, trouxe com ele sete troféus correspondentes às premiações de Arraial do Cabo em festivais europeus.
Arraial do Cabo, 1959.
Realização de Paulo Cezar Saraceni e Mário Carneiro.
Produção de Sérgio Montagna, Joaquim Pedro de Andrade e Geraldo Markan. Letreiros sobre as gravuras de Oswaldo Goeldi.
Texto de Cláudio Mello e Souza,
Narração de Ítalo Rossi.
Pesquisa: Museu Nacional.
Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=guDKxb8Fr-Y
Renata Saraceni

Imagem de Enderson NS por Pixabay

Agência Difusão

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