Saiu, enfim, pela Companhia das Letras, o livro póstumo de David Foster Wallace – “O Rei Pálido” – na tradução de Caetano W. Galindo. Na Nota do Editor, assinada por Michael Pietsch, ficamos sabendo um pouco sobre o processo criativo do que viria a ser o último livro do escritor:
“De sua agente literária, Bonnie Nadell, eu ouvia uma ou outra notícia: David estava assistindo a aulas de contabilidade como parte da pesquisa para o romance. A história se passa num centro de processamento de declaração de imposto de renda da Receita Federal (Internal Revenue Service – IRS). Eu tivera a imensa honra de trabalhar com David, como seu editor, e tinha visto os mundos inteiros que ele fez nascer a partir de uma academia de tênis e de uma casa de reabilitação. Se alguém podia deixar o imposto de renda interessante, imaginei, seria ele.”
O livro, a meu ver, repete o padrão dos outros de DFW: passagens altamente elucidativas sobre o jogo social do qual somos peões apavorados mescladas a outras de acesso negado ao inteligente médio. Algumas páginas eu leio e repito, outras eu pulo – não sem culpa. David tem a capacidade de codificar o mundo em palavras, e ele parece ter engolido o vernáculo in toto. Tudo passa pelo crivo de sua observação fulminante, com sentenças abrindo-se dentro de sentenças, parágrafos neuróticos, notas obsessivas, como se ele quisesse esgotar o assunto em questão, e, por tabela, o leitor. “Graça Infinita” tem mil e poucas páginas; “O Rei Pálido” talvez tivesse mais do que as seiscentas publicadas, se DFW não tivesse sucumbido a uma crise de depressão e escrito o próprio fim em setembro de 2008.
“Em novembro, Bonnie Nadell e Karen Green, a viúva de David, foram dar uma olhada no escritório dele, uma garagem com uma janelinha pequena na casa onde moravam em Claremont, na Califórnia. Sobre a mesa de David, Bonnie encontrou uma pilha bem organizada de páginas inéditas, pastas com folhas soltas, HDS, cadernos de espiral e disquetes contendo capítulos impressos, resmas de papel escritas à mão, notas e muito mais.”
O livro começa com a epígrafe: “Preenchemos formulários preexistentes e quando os preenchemos nós os modificamos e somos modificados por eles.” (Frank Bidart, Borges and I)
Há capítulos curtos e outros bem longos obedecendo ao esquema traçado pelo editor Michael Pietsch na organização do material. No capítulo 19, deparamos com um desses transbordamentos de entendimento do jogo social tão caros a DFW:
“Tem alguma coisa bem interessante nisso de civismo e de egoísmo, e a gente fica na crista dessa onda por aqui. Nos Estados Unidos, a gente espera que o governo e a lei sejam a nossa consciência. O nosso superego, por assim dizer. Tem alguma coisa a ver com o individualismo liberal e alguma coisa a ver com o capitalismo, mas eu não entendo muito desse aspecto teórico – o que eu vejo é o que eu vivo. Dá pra dizer que os americanos são loucos. A gente se infantiliza. A gente não se pensa enquanto cidadãos – como parte de alguma coisa maior em que a gente tem responsabilidades profundas. A gente se pensa enquanto cidadãos no que se refere aos nossos direitos e aos nossos privilégios, mas não às nossas responsabilidades. A gente abdica das nossas responsabilidades cívicas com o governo e espera que o governo, de fato, legisle a moral.”
Algumas frases, mesmo fora de contexto, não perdem sua força:
“O sol lá no alto como um olho mágico que se mostrava o coração do inferno consumindo-se sozinho.”
A descrição da morte de um personagem na plataforma do metrô demanda umas dez páginas e algumas centenas de palavras, mas é incrivelmente bem narrada, esgotando-se em detalhes que levam ao riso nervoso, como quase tudo em DFW – um autor que, antes de calar-se, tomou para si a tarefa de deixar a vida por escrito, como numa prolixa mensagem atirada ao mar numa garrafa.
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In toto é uma expressão bastante usada por DFW em seus livros.
Rodrigo Murat é escritor
Imagem: David Foster Wallace/Imagem Divulgação
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